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Compliance Trabalhista: Um Caminho para a Sustentabilidade e Produtividade Empresarial

O conceito de compliance, derivado do inglês “to comply“, refere-se à conformidade com a legislação vigente e com as normas internas de uma organização. Em sua essência, compliance é um conjunto de medidas de controle interno adotadas para evitar desvios de conduta dos participantes de uma empresa. Quando aplicado ao âmbito trabalhista, o compliance ganha uma dimensão ainda mais ampla, envolvendo não apenas a legislação trabalhista, mas também acordos e convenções coletivas, políticas internas e normas internacionais de trabalho. O objetivo do compliance aplicado a esta seara é mitigar riscos trabalhistas, especialmente em relação ao passivo de condenações na Justiça do Trabalho, preservando os valores éticos da organização e garantindo a continuidade do negócio. Empresas que adotam práticas de compliance trabalhista promovem uma cultura organizacional sólida, reduzindo conflitos na relação empregado-empregador e com prestadores de serviços, assegurando a estrutura organizacional e a sustentabilidade da empresa.

Quando mencionamos  adequação às Leis Trabalhistas é comum que empregadores argumentem, de forma errônea, que de modo geral os direitos sociais e trabalhistas ocasionariam diminuição da produtividade, dos lucros da companhia e, consequentemente, a incompatibilidade entre as previsões legais e  a continuidade do negócio. O discurso  de que a aplicação das normas trabalhistas colocaria ônus excessivos aos empregadores e poderia inviabilizar determinada atividade é contraposto  por diversos estudos, os quais, inclusive, apresentam dados demonstrando o oposto.1

Neste sentido é importante observar que pessoas que trabalham por períodos superiores a 55 horas semanais aumentam o risco de incidência de doenças coronárias e risco de acidentes vasculares cerebrais2. Outro estudo realizado pela Universidade Nacional Australiana (ANU)3 sugere que o limite de horas trabalhadas deveria ser de 39 horas semanais, caso contrário o empregado teria tendência adquirir doenças físicas e mentais.

Além do evidente  problema ético em expor o seu empregado a uma jornada de trabalho que coloca em risco a sua saúde, estas doenças contraídas em razão do trabalho podem gerar sérios problemas financeiros para a empresa, que podem ser condenadas a custear o tratamento e recuperação de seus trabalhadores, além de outras compensações, como condenações relacionadas a danos moral e existencial4.

Quanto a produtividade, estudos que analisaram o PIB per capta e a quantidade total de horas trabalhadas em um ano pelos empregados mostra que a produtividade tende a estar associada a um menor número de horas laborais5. Os trabalhadores dos países ocidentais tendem a trabalhar menos horas por ano em comparação aos trabalhadores dos países orientais. Adicionalmente, os países ocidentais geralmente apresentam um PIB per capita mais elevado em relação aos países orientais. Assim, a ideia de que o número de horas trabalhadas está diretamente relacionado ao aumento da produtividade não encontra respaldo na realidade, conforme demonstrado por estudos.

Neste sentido, é importante observar que, em  um curto espaço de tempo, trabalhadores altamente explorados, ou tendo comportamentos associados a workaholic, podem apresentar certo  aumento temporário de produtividade. Contudo, esta não é uma prática sustentável a longo prazo. Esses trabalhadores tendem a acumular um nível elevado de estresse, resultando em erros que não seriam cometidos em outras circunstâncias devido ao seu estado psicológico. Quando analisadas de forma macro, essas ocorrências causam grandes prejuízos à corporação, além dos inúmeros danos aos próprios trabalhadores.

Do ponto de vista corporativo, trabalhadores que estão expostos à culturas organizacionais que fomentam a sobrecarga de trabalho tendem a se tornar insatisfeitos e entrar em constante conflito com seus pares e com seus empregadores, o que pode ocasionar, inclusive, desafios no tocante à  retenção de talentos. Por outro lado, impactos relacionados à imagem e marca da empresa também podem ser observados, não é incomum que trabalhadores, principalmente os das novas gerações, não queiram se envolver com organizações que carreguem a mácula de realizar uma exploração exacerbada de seus empregados.

É fato  que o sofrimento psíquico vivenciado pelos trabalhadores não pode ser reduzido à sua relação com o empregador. Existe a estrutura em que aquela relação está inserida, num contexto de avanço do capitalismo, produzindo discursos que atravessam diferentes dimensões da cultura, se diferindo de qualquer outro momento da história, uma estrutura que distingue o mundo pós-moderno dos outros momentos históricos.

Essas mudanças na sociedade geram no indivíduo uma constante busca pelo self-enhancement6Os indivíduos tomam a si próprios como empresas a serem geridas7. Gestão que é incompatível com uma vida saudável psicologicamente, tratando-se na verdade de uma grande gestão do sofrimento8, acarretando no surgimento de novas doenças psíquicas.

Portanto, resta evidente que os males e o sofrimento vivenciados pelo trabalhador não são acarretados somente a partir da relação empregador-empregado, mas também atrelada à organização do modelo econômico vigente na atualidade. Desta   forma é necessário que os empregadores mantenham-se vigilantes e cuidadosos no que diz respeito à cultura organizacional de seus empreendimentos, na intenção de evitar que fatores externos também prejudiquem o desenvolvimento da organização conforme já mencionado anteriormente.

Em suma, a implementação destas práticas não visam apenas adequar a empresa às leis e normas juslaborais, mas adotar práticas de compliance trabalhistas tem como objetivo, também, a busca por preservar valores éticos da organização e mitigar riscos relacionados ao passivo de condenações trabalhistas. Contrariando a noção equivocada de que a proteção trabalhista é custosa e prejudicial à produtividade, estudos demonstram que um ambiente laboral que respeita os limites de jornada de trabalho, não só protege a saúde e bem-estar dos trabalhadores, como também contribui para a eficiência e a qualidade do trabalho realizado. Além disso, uma cultura organizacional que prioriza o equilíbrio entre vida profissional e pessoal não apenas atrai talentos, mas também fortalece a imagem da empresa perante seus colaboradores e o mercado. Diante disso, fica evidente que o compliance trabalhista não é apenas uma obrigação legal, mas uma estratégia fundamental para o sucesso sustentável das organizações no mundo contemporâneo.

  1. Ver em: BLS. Bureau of Labor Statistics. USA. International Comparisons of Hourly Compensation Costs in Manufacturing. 2012.Disponível em: https://www.bls.gov/fls/ichcc.pdf. Acesso em: 16 abr. 2020; CESIT, Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho. Contribuição crítica à reforma trabalhista. Campinas: Unicamp, 2017; DEAKIN, Simon. The contribution of labour law to economic
    development & growth. Cambridge: University of Cambridge, 2016.
    ↩︎
  2.  É o que sugere um estudo que observou 603.838 indivíduos na Europa, Estados Unidos da América e Austrália:  https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(15)60295-1/fulltext
    ↩︎
  3. Ver em: https://health.anu.edu.au/news-events/news/healthy-work-limit-39-hours-week#:~:text=People%20who%20work%20more%20than,internationally%20about%2080%20years%20ago
    ↩︎
  4. “RECURSO DE REVISTA. 1. DOENÇA OCUPACIONAL. “SÍNDROME DE BURNOUT” OU “SÍNDROME DE ESGOTAMENTO PROFISSIONAL”. GESTÃO POR ESTRESSE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. NEXO CONCAUSAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. 2. DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. O pleito de indenização por dano moral, estético e material resultante de acidente do trabalho e/ou doença profissional ou ocupacional supõe a presença de três requisitos: a) ocorrência do fato deflagrador do dano ou do próprio dano, que se constata pelo fato da doença ou do acidente, os quais, por si sós, agridem o patrimônio moral e emocional da pessoa trabalhadora (nesse sentido, o dano moral, em tais casos, verifica-se pela própria circunstância da ocorrência do malefício físico ou psíquico); b) nexo causal ou concausal, que se evidencia pelo fato de o malefício ter ocorrido em face das condições laborativas; c) culpa empresarial, excetuadas as circunstâncias ensejadoras de responsabilidade objetiva. Embora não se possa presumir a culpa em diversos casos de dano moral – em que a culpa tem de ser provada pelo autor da ação -, tratando-se de doença ocupacional, profissional ou de acidente do trabalho, essa culpa é presumida, em virtude de o empregador ter o controle e a direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do estabelecimento em que ocorreu o malefício. Pontue-se que tanto a higidez física como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Constituição da República, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88). É do empregador, evidentemente, a responsabilidade pelas indenizações por dano moral, material ou estético decorrentes de lesões vinculadas à infortunística do trabalho, sem prejuízo do pagamento pelo INSS do seguro social. No caso em tela , consta do acórdão recorrido que o perito concluiu pela existência de nexo concausal entre as patologias apresentadas pela Reclamante (transtorno de pânico, depressão grave e burnout ) e a atividade por ela desempenhada na Reclamada. Destacou a Corte de origem que a Obreira ficou totalmente incapacitada por vários meses, acometida de males psíquicos, causadores de grande tormento pessoal consistentes, segundo prova documental e pericial , em: crises de pânico, sensação de esgotamento e quase morte, crises de choro e humor deprimido. Ressaltou o Órgão a quo a conduta culposa da Reclamada, ao proporcionar um ambiente de trabalho à Autora com excesso de exigências e de competitividade. Desse modo, diante do quadro fático relatado pelo Tribunal Regional, desponta o dever de indenizar a Reclamante pelas patologias adquiridas. Outrossim, para que se pudesse chegar, se fosse o caso, a conclusão fática diversa, seria necessário o revolvimento do conteúdo fático-probatório, o que fica inviabilizado nesta instância recursal (Súmula 126/TST). Recurso de revista não conhecido” (RR-1294-36.2012.5.09.0020, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 12/12/2014).
    ↩︎
  5.  Ver em:  https://howmuch.net/articles/worlds-most-productive-countries ↩︎
  6. O melhor uso da palavra é no inglês, uma vez que não existe uma palavra em portugês que determine o mesmo significado daquela em inglês. Aperfeiçoamento e aprimoramento não são capazes de expressar o mesmo. A melhor definição de enhancement seria, no próprio inglês: to improve the quality, amount or strength of something. 
    ↩︎
  7. Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico / Vladimir Safatle, Nelson da Silva Junior, Chistian Dunker,(Orgs). – – 1ed.; 2reimp. – – Belo Horizonte – MG : Autêntica, 2021. ↩︎
  8. ibid 7 ↩︎

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